quarta-feira, 10 de maio de 2023

Cachorrinho que quebrou o pote

 


Eu achava que essa frase era de uso comum. Cachorrinho que quebrou o pote. Ouvia sempre para dizer que alguém mostrava uma cara de dó e culpa, como que assumindo que fez coisa errada e já pedindo desculpa, ou para não apanhar. Só agora que fui buscar uma foto para ilustrar o texto é que a internet me avisa que a frase não é comum, ou pelo menos, não aparece nas buscas.

Não é da minha lembrança completa, então deve ter acontecido quando tinha menos do 6 anos. Eu perguntei como funcionava o pote, ou filtro de água, daqueles com prata e a imagem de São João. Achava incrível como a água entrava por cima e saía por baixo. Fiquei ainda mais intrigado quando soube que tinha uma vela para fazer a água pura. Uma vela! Acesa, eu pensei! Dentro do pote com água e que fazia a mágica de deixar a água limpa! Eu quis ver o pote e me estiquei todo para alcançar. O pote foi então levado mais para o fundo da bancada e a proibição de ver o pote. 

Funcionou totalmente ao reverso. Uma vela acesa dentro de um pote proibido! Tudo que um menino curioso precisa para subir na pia e olhar o pote. Eu desequilibrei, caí, o pote caiu, e água ficou esparramada na cozinha. Na sequência tomei uma bronca: "Não adianta ficar com essa carinha de cachorro que quebrou o pote!.

Um pote novo chegou, igualzinho ao anterior, igualzinha minha curiosidade, só a explicação é que não veio.

Batata! Quebrei o segundo pote, encheu de água a cozinha e a bronca foi mais severa.

No terceiro pote veio a explicação, vi que a vela não era de cera com pavio, acho até que a vela antiga foi quebrada para me mostrar o carvão que tinha dentro. Não lembro quem me mostrou, julgo que foi meu avô Gumercindo.

Escrevo hoje para agradecer a todas as pessoas que com carinho e amizade mantém em mim a curiosidade viva e que ainda reside em mim o menino que quebrava potes.

terça-feira, 2 de maio de 2023

T. S. Elliot

 "This is the way the world ends
This is the way the world ends
This is the way the world ends
Not with a bang, but a whimper."

Essa é a estrofe final do poema The hollow men de T.S. Elliot, que eu traduzi livremente para:

Assim acaba o mundo
Assim acaba o mundo
Assim acaba o mundo
Não com uma explosão, mas com um lamento

Aos quinze anos, lendo um livro de piadas de Leon Eliachar, me deparei com o solilóquio de Hamlet em inglês. Por pura vaidade decidi decorar, o que me foi bem fácil. A partir daí era só encontrar uma oportunidade de me exibir para alguma garota. Isso nunca aconteceu, ninguém está interessado em alguém que saiba o solilóquio de Hamlet decorado. Um outro eu acharia impressionante e mais ninguém.

Anos e décadas se passaram... Recentemente, ao jogar "Cards against humanity" me veio o cartão com a estrofe final de um poema de T.S. Elliot sem a última palavra. Um amigo então declamou a estrofe completa.

Quem decora T.S. Elliot?

Um outro eu, por suposto.

Ninguém prestou atenção, nem se deu conta de alguém na roda sabia T. S. Elliot, mas eu sim. Fiquei impressionado e fui pesquisar, li o poema todo, busquei uma intepretação e guardei essa última estrofe na memória.

Agora nem precisou de tanto tempo assim. Assistindo o filme "O império da luz" um dos personagens está matando uma palavra cruzada e pergunta:

- Qual a primeira palavra de Terra Árida?

- Abril. Responde a protagonista do filme.

Aquele mesmo amigo então completa o verso:

April is the cruellest month.

De novo isso passou quase desapercebido. Não por mim!

Fui pesquisar e encontrei o poema cuja primeira estrofe reproduzo aqui:

April is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain.

Ainda com muita liberdade, traduzo

Abril é o mais cruel dos meses,
Narcisos germinam na terra morta
Memória e desejo se misturam
Raízes agônicas avivam com a chuva da primavera

Claro que fiquei com um pouco de inveja, quem dera eu fosse o decorador de T.S. Elliot e pudesse me exibir. Aos 15 anos ficaria com muita inveja, hoje a inveja é de longe superada pela alegria de ter amigos que sabem T.S. Elliot e me instigam a aprender mais e mais. 

Obrigado, Filipe.